Diálogo de culturas

Educación para la ciudadanía mundial y la paz. Educación para transformar el mundo.


Uma chávena de chá

Uma chávena de chá

Um sábio japonês, conhecido pela profundidade e justeza das suas doutrinas, recebeu a visita de um professor universitário que tinha ido inquirir acerca dos seus pensamentos.

O professor universitário tinha fama de ser orgulhoso, nunca prestando atenção às sugestões dos outros, julgando-se sempre na posse de toda a verdade.

O sábio quis dar-lhe uma lição. Para tal quis servir-lhe uma chávena de chá.

Começou por deitar o chá pouco a pouco. E logo a chávena se encheu.

O sábio, fingindo não dar conta de que a chávena já estava cheia, continuou a deitar o líquido até que este transbordou e começou a molhar a toalha. O velho japonês mantinha a sua expressão serena e sorridente.

O professor universitário viu o chá a transbordar e ficou sem perceber como era possível uma tal distracção, tão contrária às normas das boas maneiras. Mas, a dado momento, não pôde conter-se mais e disse ao sábio:

— Já está cheia! Não cabe mais!

O sábio, imperturbável, disse-lhe então:

— Tal como esta taça, também tu estás cheio da tua cultura, das tuas opiniões, de um amontoado de conjecturas eruditas e complexas. Como posso eu falar-te da sabedoria, que só é compreendida pelas pessoas simples e disponíveis, se antes não esvaziares a tua chávena?

O professor compreendeu a lição. A partir desse dia, esforçou-se por se “esvaziar” das suas certezas e por escutar as opiniões dos outros, sem desprezar nenhuma delas.

Pedrosa Ferreira
Educar contando
Porto, Ed. Salesianas, 1995


A Lâmina do Mestre

A Lâmina do Mestre

Em tempos que já lá vão, vivia no Japão um mestre ferreiro. Tinha atingido uma tal perfeição na arte de forjar as lâminas dos sabres que já nem sequer as assinava. Contrariamente à tradição, segundo a qual a assinatura do ferreiro devia ser colocada na base da lâmina, as suas permaneciam sem assinatura, já que o seu brilho, a sua curva e o seu corte eram de um tal requinte que nenhum samurai se enganaria jamais quanto à sua proveniência.

Mas, com o passar do tempo e da idade, o mestre decidiu transmitir, pouco a pouco, todos os seus segredos ao seu discípulo mais chegado. Este discípulo tornou-se tão hábil no fabrico das lâminas que também ele não as assinava. Os samurais do Japão sentiram-se, então, deveras embaraçados porque, apesar de toda a sua destreza, não conseguiam distinguir as lâminas, e gostariam de saber que tipo de sabre transportavam.

A única forma de o saberem era, justamente, o último segredo que mestre e discípulo tinham partilhado. Quando chegava o Outono, os dois homens sentavam-se por detrás da forja. Era um lugar onde corria um rio pacífico e as folhas que caíam das árvores formavam tapetes de cor acobreada sobre as águas. Quando o discípulo mergulhava as suas lâminas nessas águas, todas as folhas que vinham de encontro ao sabre cortavam-se prontamente em duas metades, sem qualquer perturbação. Mas, quando o mestre mergulhava as suas lâminas no rio, as folhas evitavam tocar-lhes.

Que cada um aplauda sem cessar.
Mas quem o som de uma mão sabe adivinhar?

Jean-Jacques Fdida
La naissance de la nuit et autres contes du monde entier
Paris, Didier Jeunesse, 2006
tradução e adaptação


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O pedreiro descontente

O pedreiro descontente

Lenda japonesa

Era uma vez um homem que trabalhava numa pedreira, no Japão. O seu nome era Hofus, e todos os dias ia até à montanha para cortar grandes blocos de pedra. Morava lá perto, numa pequena casa de pedra, e era feliz.

Um dia, foi levar um carregamento de pedra a casa de um homem muito rico. Ao chegar lá, viu tantas coisas bonitas que, quando voltou para a montanha, não conseguia pensar em outra coisa. Ficava-se a desejar dormir também numa cama macia como plumas, com cortinas de seda e cordões de ouro. E suspirava

— Ai de mim! Ai de mim!
Se Hofus fosse rico assim!

Para sua surpresa, a voz do Espírito da Montanha respondeu:

— O teu desejo será satisfeito!

Quando Hofus, naquela noite, voltou para casa, a pequena casa desaparecera e no seu lugar erguia-se um grande palácio. Estava cheio de coisas bonitas, e o melhor de tudo era a cama com um colchão de plumas e cortinas de seda com cordões de ouro.

Hofus decidiu deixar de trabalhar. Mas não estava habituado a nada fazer, e o tempo foi passando muito devagar, com os dias a parecerem muito longos!

Um dia, sentado à janela, viu uma carruagem passar com rapidez. Era puxada por quatro cavalos alvos como a neve e levava um príncipe. À frente e atrás, postavam-se lacaios trajados de azul e branco. Um deles segurava uma sombrinha de ouro sobre o príncipe.

Quando o pedreiro viu aquilo, começou a sentir-se infeliz e suspirou:

— Ai de mim! Ai de mim!
Se Hofus fosse um príncipe assim!

E, novamente, a mesma voz que ouvira na montanha respondeu:

— Que sejas um príncipe!

Imediatamente, Hofus se transformou num príncipe e viu-se a passear numa carruagem, acompanhado por servos em trajes carmesim e dourado, com uma sombrinha de ouro a proteger-lhe a cabeça.

Durante um certo tempo, foi feliz. Porém, um dia, ao passear pelo jardim, viu que as flores estavam murchas e a relva seca, castanha. E, quando saiu de carruagem, sentiu o sol forte a queimá-lo, apesar da sombrinha.

— O sol é mais poderoso do que eu — disse para si mesmo, e suspirou:

— Ai de mim! Ai de mim!
Se Hofus fosse o sol, aí sim!

E a mesma voz respondeu:

— Que sejas o sol!

E ele de imediato se transformou no grandioso sol. Queimava a relva e os campos de arroz; secava os riachos, e todos, ricos e pobres, sofriam o seu calor insuportável!

Um dia, apareceu uma nuvem e resolveu descansar na sua frente, escondendo a Terra da sua vista. Ele ficou zangado e exclamou:

— Ai de mim! Ai de mim!
Se Hofus fosse uma nuvem assim!

E a voz, mais uma vez, respondeu:

— Que sejas uma nuvem!

E pronto: no mesmo instante, Hofus transformou-se numa nuvem. Flutuava na frente do sol, escondendo-lhe a Terra.

Dia após dia, a nuvem derramou chuva. Os rios transbordaram, os campos de arroz encharcaram-se. Aldeias inteiras ficaram alagadas. Só as grandes pedreiras na montanha permaneceram intocadas pelas enchentes.

A nuvem olhou para as pedreiras, ponderando; depois, suspirou:

— Ai de mim! Ai de mim!
Se Hofus fosse uma pedreira assim!

E logo a voz respondeu:

— Que sejas uma pedreira!

Num momento, Hofus viu-se transformado numa pedreira e ficou muito orgulhoso! O sol não conseguia queimá-lo, nem a chuva lhe fazia mal.

— Até que enfim – exclamou — ninguém é mais poderoso do que eu!

Entretanto, um dia, foi subitamente acordado dos seus sonhos por um forte barulho – pam! pam! pam! – bem nos seus pés. Olhou e viu um pedreiro a bater com as ferramentas na rocha. Mais outro golpe, e a rocha tremeu: um grande bloco de pedra desprendeu-se.

— Aquele homem é mais poderoso do que eu! — exclamou Hofus, e suspirou.

— Ai de mim! Ai de mim!
Se Hofus fosse rico assim!

E a voz respondeu:

— Que sejas tu próprio!

E, instantaneamente, Hofus voltou a ser o que sempre fora: um pobre pedreiro que trabalhava o dia inteiro na montanha e voltava à noite para a sea pequena casa de pedra. Mas ficou contente, e nunca mais desejou ser outra coisa!

William J. Bennett
O Livro das Virtudes II – O Compasso Moral
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996